Primórdios

Quando o HIV foi identificado em 1983 não havia tratamento disponível, as primeiras manifestações da aids eram vistas como sentença de morte, pois a infecção destruía o sistema imunológico e levava a doenças oportunistas. Os pacientes enfrentavam um estigma intenso, ficando expostos a julgamentos sobre sua sexualidade e moralidade, o que alimentava ainda mais o preconceito presente na sociedade. A primeira metade dos anos 80 foi marcada por urgência, medo, desconhecimento e falta de opções terapêuticas. Do ponto de vista médico, sentíamos na pele as limitações diante de uma condição que ainda nos era tão desconhecida. Fazíamos o que era possível: tratávamos as infecções oportunistas e oferecíamos acolhimento aos pacientes, mesmo quando essa tarefa nos desafiasse profundamente. Muitas vezes, era o que conseguíamos fazer, enquanto, lado a lado, pacientes e profissionais aprendíamos, dia após dia, a seguir em meio a algo tão novo, tão assustador e, ao mesmo tempo, tão humano. Foram tempos extremamente difíceis, mas que trouxeram um aprendizado profundo e um olhar singular sobre a existência.

A primeira esperança surgiu em 1987 quando foi aprovado o primeiro medicamento contra o HIV, o AZT (zidovudina), que originalmente era um remédio para tratamento de câncer. Ele foi um marco na luta contra o HIV, e apesar do avanço histórico, a eficácia deste medicamento era pequena, limitada e associada a muito efeitos colaterais, pois usávamos em monoterapia e em dose muito altas. A baixa eficácia e a toxicidade a longo prazo eram grandes desafios.

Na primeira metade da década de 90 foram lançados outros medicamentos que igualmente mostravam uma resposta clínica de pouco impacto. Assim, surgiram outros antivirais como o ddI, o ddC, que da mesma maneira, eram usados em monoterapia, e como o AZT, apresentavam eficácia muito limitada favorecendo rapidamente a resistência viral. Houve um pequeno aumento na sobrevida, mas a progressão para a aids era inevitável. Assim foram os primórdios do tratamento do HIV, entre a segunda metade dos anos 1980 e meados dos anos 1990.

A Era do Coquetel

O ano de 1996 foi celebrado como o ano da revolução no tratamento antirretroviral com a chegada do coquetel anti-HIV. Houve um avanço decisivo no tratamento com a introdução da terapia antirretroviral altamente ativa, popularmente conhecido como "coquetel", que modificou completamente a expectativa das pessoas vivendo com HIV ou com aids. Ela foi consagrada oficialmente na Conferência Internacional sobre AIDS em Vancouver no Canadá. Assim, a terapia em uso combinado, ou tripla, se tornou um pilar estrutural da terapia antirretroviral. No Brasil já no final do ano de 1996 foi criada uma lei que determinou que o SUS fornecesse e garantisse gratuitamente todos os medicamentos para o tratamento do HIV. Dessa maneira, o Brasil foi pioneiro mundial na distribuição pública deste tratamento, uma atitude até então inédita no mundo em desenvolvimento. Recebemos essa inovação com muito entusiasmo, especialmente porque marcou uma virada histórica no tratamento da aids após mais de uma década de frustrações. Os resultados foram impressionantes e possibilitou o controle da progressão da aids. Assim, as pessoas vivendo com HIV/aids puderam retomar suas vidas, reconstruir seus planos, seus sonhos e, acima de tudo, recuperar a esperança.

Nos anos seguintes os medicamentos existentes foram aprimorados, o número de comprimidos ingeridos diariamente foi diminuído, assim como também diminuídas toxicidades e efeitos colaterais, tornando-os mais fáceis para o uso. Posteriormente foram criadas novas classes de medicamentos antirretrovirais e surgiram os inibidores de fusão, os inibidores de entrada e os inibidores da integrase. Além disso, novos medicamentos inibidores da protease e da transcriptase reversa, com perfis de resistência diferentes dos anteriormente lançados, permitindo utilização com bastante sucesso em pacientes cujo tratamento já apresentaram falhas terapêuticas. Hoje no Brasil contamos com o esquema de primeira linha incluído três drogas dispostas em apenas dois comprimidos tomados em dose única.

Adesão ao tratamento

Um aspecto crucial para o sucesso do tratamento chama-se adesão. No contexto do tratamento do HIV, adesão refere-se ao grau em que uma pessoa segue corretamente a terapia antirretroviral prescrita pelo profissional de saúde, que inclui tomar os medicamentos diariamente na hora e dose corretos, seguir as orientações médicas, comparecer as consultas e realizar os exames de acompanhamento regularmente.

A adesão é importante, pois garante eficácia do tratamento no curto e longo prazo, evita resistência aos medicamentos utilizados e previne a transmissão sexual do HIV. Uma pessoa vivendo com HIV ao tomar os antirretrovirais por ao menos seis meses, possuir carga viral abaixo do limite de detecção, não é considerada transmissora do HIV por via sexual, dentro do conceito de "Indetectável = Intransmissível". Este é um dado que merece destaque, pois, somado a outras ações, pode reduzir a ocorrência de novas infecções por esse vírus e, quem sabe, levar à sua eliminação no futuro.

O que esperar para o futuro?

A jornada do tratamento do HIV é um caminho que seguimos construindo, e o que temos hoje seguramente será diferente amanhã, pois é o que venho assistindo ao longo destes mais de trinta anos trabalhando na área. A evolução do tratamento e as estratégias de manejo estão em mudança constante, baseadas no desenvolvimento e resultados de pesquisas. Embora a terapia antirretroviral iniba efetivamente a replicação circulante no sangue do HIV e reduza a morbidade e a mortalidade, ela não é curativa e o tratamento atual é contínuo ao longo da vida.

Um grande obstáculo para a cura do HIV é a persistência de provírus integrados em muitas células do corpo, em especial nos linfócitos T CD4+ de memória, que permanecem em estado latência e são conhecidos como reservatórios intracelulares de HIV. Uma estratégia para erradicar o HIV latente nestas células, é ativar essa latência, seguida pela eliminação de células infectadas, possibilitando o esvaziamento dos reservatórios virais. Neste momento estão sendo desenvolvidos medicamentos utilizando tecnologia de inovação na tentativa de esvaziar estes reservatórios e conduzir a cura. Avanços tecnologia de mRNA em nanopartículas lipídicas propiciam o desenvolvimento de novos produtos, sendo uma grande promessa para a terapia gênica, em uma tentativa de reversão de latência das partículas do HIV intracelulares.

Dr. Eduardo Ronner Lagonegro
Médico Infectologista
CRM-SP 59.820